Os fotógrafos vivem uma longa vida e trabalham até ao fim." A frase é de Annie Leibovitz. Não sabemos se é uma afirmação de orgulho ou de desalento. Porque a famosa fotógrafa norte-americana, que se tornou célebre na produção de imagens ícones do universo das estrelas, com 60 anos, jamais poderá deixar de trabalhar.
Uma das mais famosas fotógrafas do mundo, conhecida pelas suas megaproduções dos cenários das estrelas de Hollywood. Mas o segredo de Annie Leibovitz está nos retratos de famosos que faz.
Em Março deste 2010, chegou finalmente a acordo com o grupo de investimento Colony Capital e conseguiu livrar-se de um pesadelo que assombrou nos últimos anos a sua imagem intocável de fotógrafa do glamour: uma dívida de 17,6 milhões de euros, acumulada em contas não pagas. Leibovitz, que sempre fez tudo em grande e segundo consta sempre foi desorganizada com as contas, corria o risco de perder os direitos sobre o seu espólio, que inclui mais de 100 mil fotografias e um milhão de negativos, assim como as três luxuosas casas em Nova Iorque de que é proprietária. Mas este acordo tem um revés. A fotógrafa - mãe tardia de três filhos, a primeira por inseminação artificial e as gémeas por barriga de aluguer e que confessou estar neste momento mais virada para a família - encontra-se agora nas mãos do grupo de investimento, que passará a gerir o seu talento e o seu tempo. Assim, a fotógrafa, estrela entre as estrelas do mais poderoso star system do planeta, converteu-se num produto de si mesma. Mais do que nunca, ela é, irremediavelmente, a sua marca comercial.
Se o percurso de vida de um fazedor de imagens se pode confundir com o registo da sua máquina, em Leibovitz esta prática foi levada ao extremo. "O que é a vida de um fotógrafo senão uma vida através das lentes?", interrogava ela, ao volante de um carro em movimento, na abertura do documentário biográfico intitulado precisamente "Life Through a Lens" e realizado para acompanhar a exposição internacional "Annie Leibovitz: A Photographer's Life (1990-2005)", patrocinada pela American Express.
Folheando o livro com o mesmo título, editado pela Random House para esta retrospectiva itinerante que partiu do Brooklyn Museum de Nova Iorque (2006) para o mundo, podemos constatar que, nas mais de 200 fotografias escolhidas para representar a obra de Annie Leibovitz, nada foi excluído do auto-retrato que ela quis projectar sobre si.
Susan Sontag
Nesta construção, há dois pólos que se distinguem: trabalho e família. Ambos nos revelam um trajecto construído através de uma narrativa filtrada pela câmara. Entre os corpos emblemáticos das estrelas de Hollywood e na galeria dos retratos do poder celebrizados por Leibovitz, o núcleo da família - que inclui pais, irmãos, sobrinhos e filhos - é atravessado por um tempo afectivo onde a escritora Susan Sontag, a companheira dos últimos anos, é figura de proa.
Annie Leibovitz e Filhas
As viagens das duas, os retratos da intimidade, a gravidez e, finalmente, a doença e a morte de Sontag (Dezembro de 2004) são-nos entregues sem reservas pela lente da companheira. Ao olharmos para as fotografias da intelectual norte-americana numa cama de hospital nos últimos dias de vida e, páginas depois, na morgue e no cemitério vazio, há uma dúvida que persiste: será que Annie Leibovitz, a grande encenadora, não resistiu à mise en scène de dar a ver um dos momentos mais íntimos e de maior vulnerabilidade que é permitido a um ser humano? Ou, pelo contrário, ao servir-se da lente como uma extensão de si mesma, a fotógrafa apropria-se naturalmente deste seu olho filtrado para auscultar o mistério da morte e fintar a dor?
A câmara por companhia
My Brother Philip and My Father, Silver Spring, Maryland,1988. Photo: Annie Leibovitz
Da Rolling Stone à Vanity Fair
Jann Wenner, fundador da revista, conta como Annie passava dias em reportagem, submergindo-se no ambiente dos músicos como se fosse "one of the gang". É nesse espírito que aceita ser a fotógrafa oficial da primeira grande tournée internacional dos Rolling Stones. Durante meses, acompanha os músicos na estrada e revela ao mundo fotografias de uma intimidade única da famosíssima banda. Pela primeira vez, é mostrada uma imagem de dentro do palco enquanto decorre um espectáculo. O envolvimento com a trupe de Mike Jagger leva-a mais tarde a confessar: "Não sabia no que me estava a meter. Fui incrivelmente ingénua ao pegar naquele grupo de homens e decidir que queria fazer parte." Só acabará por se livrar das drogas alguns anos depois, num centro de reabilitação.
Imagens para a história
Se os anos da "Rolling Stone" lhe permitiram o acesso ao universo das pop stars, ganhando fama com retratos que marcaram a década e tornaram a sua assinatura valiosa (ver destaques), a passagem para a "Vanity Fair", em 1983, deu-lhe a entrada no universo das celebridades.
Última Imagem de John Lenon em vida.
Os meios que uma poderosa revista de mundanidades possuía para grandes produções deslumbraram Leibovitz, que fez uso do seu arrojo em encenações de grande glamour, cada vez mais dispendiosas. A identidade dos seus retratos funde-se na imagem de marca da "Vanity Fair": Whoopi Goldberg, a emergir numa banheira cheia de leite; Isabella Rossellini e David Lynch, depois de "Blue Velvet", num misterioso retrato de fundo azul-forte como um quadro de Matisse; Arnold Schwarzenegger, futuro governador da Califórnia, no topo de uma pista de esqui; Jack Nicholson, com os seus inseparáveis óculos escuros e em roupão de seda, a jogar golfe na sua casa; Isabel II, sem coroa, num retrato com fundo dramático, em Buckingham Palace; Nelson Mandela, de sorriso aberto; Hilary Clinton, durante a campanha; Bush e a sua equipa, na Casa Branca.Também Obama se fez fotografar por Annie Leibovitz e posou pela primeira vez em família pouco depois de se tornar Presidente dos EUA.
Veja as fotos:
Whoopi Goldberg
Isabella Rossellini e David Lynch, depois de "Blue Velvet"
Jack Nicholson
Isabel II
Nelson Mandela
Arnold Schwarzenegger
Hilary Clinton
Bush e a sua equipa, na Casa Branca
Presidente Obama e Familia
O retrato de Demi Moore, grávida de Bruce Willis, em nu integral e segurando a barriga, na capa da "Vanity Fair", numa imagem profundamente controversa que rendeu à revista um milhão de exemplares vendidos, resume o impacto dos retratos de Leibovitz: "Tornei-me mais conhecida com aquela imagem do que com qualquer dos filmes em que participei." Numtempo profundamente marcado pela cultura das celebridades, todos se eternizaram na câmara de Leibovitz, que com os retratos altamente encenados de depuração e intimidade devolve aos seus protagonistas uma imagem de imortalidade.
Nos últimos anos, nas megacampanhas para a marca Louis Vuitton, assinadas pela fotógrafa, onde, entre muitos outros, participaram Gorbachev, Catherine Deneuve, Francis Ford e Sophia Coppola, a própria Leibovitz não resistiu à encenação da sua mise en scène. Sentada no chão do estúdio, com a sua camisa preta, mocassins rasos, óculos rectangulares e a Leica pousada ao seu lado, olhando para cima - para o seu amigo bailarino Mikhail Baryshnikov, iluminado como um anjo -, ela torna-se objecto da sua fotografia. Nesta postura ambígua, mais do que nunca a fotógrafa do poder permite-se discretamente recriar-se como o maior ícone comercial captado pela sua máquina.
Sontag e Leibovitz, um amor até ao fim
A Fotógrafa e a intelectual conheceram-se em 1989, numa sessão organizada por Sontag, que pediu a Sharon Delano, editora da revista "Vanity Fair", que lhe apresentasse Annie Leibovitz. Leibovitz conta como ficou impressionada quando percebeu que a escritora e conceituada crítica de arte - autora do ensaio "On Photography" - a queria conhecer, a ela, a fotógrafa de mundaneidades, muito pouco dada a leituras. Pouco tempo depois assumiram o seu amor homossexual. Susan, 16 anos mais velha, tornou-se uma forte influência no trabalho de Leibovitz, que iniciou com Sontag um ciclo de viagens pelo mundo. Apesar de nunca terem partilhado a mesma casa, estiveram juntas até ao fim dos dias da escritora (Dezembro de 2004). Na exposição "A Photographer's Live, 1990-2005", Annie Leibovitz incluiu as controversas fotografias da doença e da morte da companheira.
Sontag
(Texto original publicado na Revista Única da edição do Expresso de 10 de Abril de 2010)
Pela 1ª vez uma campanha para o Brasil
45 anos do Iguatemi
Annie Leibovitz fotografou a campanha de 45 anos do shopping Iguatemi, unidade de São Paulo. Com o tema Brazilian Sounds, a imagem está em clima de festa. Bebel Gilberto aparece cantando para um grupo de convidados VIPs: Isabeli Fontana, Alex Atala, Vik Muniz, Georgina Brandolini, Paulo Borges, Luciana Curtis e Bianca Brandolini. Os cliques foram feitos em Nova York, no bar Don’t Tell Mama, onde Bebel fez um pocket show para a equipe antes da sessão de fotos.
Fotos Annie Leibovitz / Divulgação
Confira mais imagens dessa extraordinária Fotógrafa Annie Leibovitz